Exmo. Sr. Aécio Neves. Hoje
comemoramos o Dia da Inconfidência Mineira, por extensão, o dia de Tiradentes
e, estendendo mais, o dia da traição, a de Joaquim Silvério dos Reis. Dia de
também nos lembrarmos do falecimento do seu avô, Dr. Tancredo Neves. Completando
trinta anos hoje. Nascido de família rica, latifundiária, bem situada na
política brasileira, graças ao seu avô e ao seu próprio pai, o Senhor deveria
ter tido a preocupação de se preparar para herdar o patrimônio físico e
político da família. Mas, ao invés, a custa de gorda mesada da família, veio
para o Rio de Janeiro. Surfar e aprontar arruaças, como os boletins policiais
da época atestam. Envolvido com drogas, badernas, brigas. Na capital política e
cultural do país, em nenhum momento o seu nome apareceu ligado a qualquer
movimento consequente. Seja na música,
na literatura ou na política, em período de resistência à tirania, onde parcela
dos jovens da sua faixa etária resistiu. Como se vê a sua juventude foi inútil,
a de um inútil, com a trajetória da inutilidade interrompida por uma
fatalidade, a morte do seu avô. Primeiro degrau do seu oportunismo político. Seu
avô, típico conservador mineiro, tinha um atributo precioso, do qual Vossa
Excelência é a negação: era patriota, nacionalista, brasileiro. Seu avô foi
Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, e com ele construiu a Petrobras, que
Vossa Excelência quer destruir. Junto com Getúlio construiu a Companhia Vale do
Rio Doce, que o seu partido, com o seu apoio, vendeu a preço vil. Quando as
forças do capital, as mesmas de hoje, conservadoras, internacionalistas, de
viés fascista, se levantaram contra o nacionalismo de Getúlio, seu avô foi um
dos mais fiéis defensores do velhinho, ao lado dele permanecendo até a morte.O discurso da direita? Corrupção! Morto Getúlio, fez-se necessário continuar
com o seu legado, não abrindo espaço para a direita, e seu avô foi um dos
principais articuladores da candidatura Juscelino Kubitscheck de Oliveira, que
se notabilizou por uma política voltada para o país. Para a construção de
Brasília. O discurso da direita? Corrupção! Jânio renunciou e a direita não quis dar posse ao seu vice, João Goulart,
porque Jango significava o retorno do nacionalismo ao poder. Do comprometimento
com o país e o seu povo. Pra limitar os poderes de Jango, a direita propôs o
parlamentarismo e a esquerda recusou, quase precipitando o golpe militar,
antecipando-o em três anos, e surgiu a figura de seu avô. Novamente,
convencendo Jango a aceitar, para derrubar depois. Aprovado o parlamentarismo,
apareceu a necessidade de um nome de conciliação, que fosse moderado,
conservador, mas identificado com as causas populares, nacionalistas, e acima
de tudo fiel a Jango. Capaz de lutar para implementar as Reformas de Base, e
surgiu o nome do seu avô. Veio à campanha para acabar com o parlamentarismo e
lá estava o seu avô ao lado do melhor para o Brasil. O melhor para o povo
brasileiro, combatendo o parlamentarismo, para contrariedade da direita. E caiu o parlamentarismo e ressurgiu o discurso golpista da direita, com o seu
avô rebatendo, resistindo ao golpe, bravamente, até que ele veio. O discurso da direita, a justificativa? Corrupção! Foram vinte e um anos de
entrega do patrimônio nacional, de torturas, exílios, censuras e mortes, com a
oposição do seu avô. Veio à campanha das Diretas Já e entre os mais inflamados
e respeitados oradores, o seu avô, exigindo a devolução do poder ao povo. A lei
das diretas não passou e novamente foi necessário se encontrar um nome
confiável, conservador o bastante para acalmar os militares, mas nacionalista o
bastante para mudar os rumos da conjuntura. Adversa, cruel, desumana, para
vencer Paulo Maluf, o corrupto e ditatorial candidato do sistema, dos
militares, e novamente o nome do seu avô apareceu. Foi eleito, para regozijo
dos democratas, dos patriotas, dos nacionalistas, mas não foi empossado. A
morte, cruel e devastadora, é de direita. E aí surgiu Vossa Excelência, neto
mais velho do ancião moribundo, tornando-se o porta voz da família. Até então
obscura nulidade, à custa do sofrimento de um ídolo nacional, ganhou os refletores
da mídia, e viu reconhecido o seu sobrenome. Trampolins para o início da
carreira política pessoal. Isto, excelência, os alicerces da sua carreira
política estão assentados sobre um cadáver, o do seu avô, e não mais. Morto o
seu avô, iniciou-se um novo ciclo da direita no poder, que durou dezoito anos,
até a eleição de um operário, negação de toda a história nacional, devolvendo o
país ao seu rumo de direito, assentado no nacionalismo, no patriotismo, na
defesa do povo.Contrariando o exemplo de família e o determinismo genético,
desde o primeiro momento, Vossa Excelência se posicionou frontalmente contra
esse governo, assumindo exatamente a mesma posição dos adversários do seu avô,
dos inimigos do seu avô, dos algozes do seu avô.Hoje ensaia-se novo golpe da
direita, exatamente como o que levou Getúlio ao suicídio, exatamente como o que
instituiu o militarismo, os bem sucedidos, exatamente como tentaram com
Juscelino. E, absurdamente, o principal porta voz dos interessados nesse golpe
é Vossa Excelência, o mais agressivo. O seu discurso? Corrupção! Seu avô teve
um inimigo pessoal, agressivo porta voz das forças conservadoras, Carlos
Lacerda, eixo do golpismo que se iniciou na era Vargas e culminou no golpe de
64, para morrer com a eleição do seu avô. Agora ressurgiu, reencarnado no seu
partido, uma UDN travestida de PSDB, combatendo tudo o que cheira a
nacionalismo, patriotismo, política popular, com Vossa Excelência à frente. É
certo que o senhor espera que eu o compare a Carlos Lacerda, mas não posso
fazê-lo porque, mesmo nos adversários e inimigos, o meu intelecto me obriga ao
reconhecimento das virtudes. Falta-lhe, Sr. Aécio Neves, a oratória de Lacerda,
a eloquência de Lacerda, a redação perfeita e enxuta de Lacerda, a cultura
universal, fruto de muita leitura. De Lacerda, a coerência, ainda que
equivocada, de Lacerda, o intelecto de Lacerda.Carlos Lacerda fez o próprio
nome, enquanto o Sr. herdou, vivendo politicamente dele. Isto, Senador, não
fosse o seu sobrenome, do qual vive na sombra, e Aécio não existiria, porque
ainda hoje a mesma nulidade intelectual da juventude. Por isso não o comparo a
Lacerda.Eu poderia compará-lo a Joaquim Silvério dos Reis, o verdadeiro verdugo
de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Mas também não o faço. Não faço porque
entre Tiradentes e Silvério não havia laços de consanguinidade, exigência de
respeito à memória. Como há entre Vossa Excelência e o seu avô, Dr. Tancredo
Neves, e aqui o Sr. se avulta, se agiganta, para ser um traidor maior que
Lacerda, muito maior que Joaquim Silvério dos Reis. Resta-nos o consolo que a
história é impiedosa: seu avô veio de baixo e morreu lá em cima, enquanto Vossa
Excelência, que começou onde ele terminou, terminará a nulidade que nunca
deixou de ser.